Nos últimos anos, redes sociais como TikTok, Instagram e YouTube viraram palcos importantes de promoção literária: perfis de influenciadores especializados em livros (booktokers, bookstagrammers etc.) recomendam obras, fazem resenhas rápidas, desafios de leitura, listas de livros “que todo mundo deveria ler” e outras formas de engajamento que incentivam o consumo de livros. Esse fenômeno tem vantagens claras — aumento de visibilidade de obras, reaparecimento de títulos antigos, ampliação do público leitor — mas também são levantadas preocupações quanto ao “overconsumption” (um consumo excessivo, impulsivo ou superficial) de títulos literários.
Por “overconsumption” entende-se situações como: comprar muitos livros mas não lê-los; escolher leituras baseadas mais em hype ou validação social do que em interesse real; priorizar quantidade em vez de profundidade; ou enxergar a leitura como um bem de status ou coleção, em vez de prática reflexiva.
Para situar o tema, seguem alguns dados de 2023 e relevantes:
Esses dados sugerem que, embora haja um mercado ativo de leitores e compradores de livros, ele está concentrado em parcelas da população, com forte heterogeneidade no número de obras adquiridas. Também indicam que para muitos, a compra de livros é algo ocasional, não contínuo.
Com esses dados como pano de fundo, podemos discutir se e em que medida o “overconsumption” de livros estimulado por influenciadores pode trazer efeitos negativos ou positivos, tanto para o mercado literário quanto para os leitores.
Influenciadores literários podem motivar pessoas que não costumavam ler a começar a ler, ou a ampliar seu repertório — há relatos do fenômeno BookTok estimulando jovens a buscar livros
Obras menos conhecidas, independentes ou mais antigas podem ganhar nova vida quando recomendadas por influenciadores, o que ajuda a diversificar o mercado. Isso pode beneficiar autores que normalmente não teriam grande alcance de divulgação.
Um público mais engajado pode se traduzir em aumento de vendas, o que fortalece editoras, livrarias (físicas ou digitais), autores, gráfica etc. As projeções de crescimento do setor literário no Brasil já apontam para isso.
Se bem aproveitado, o estímulo à leitura pode promover maior letramento, senso crítico, empatia, formação de repertório e condicionamento de hábitos culturais.
Comprar muitos livros não implica lê-los com profundidade ou refletir sobre eles. Há risco de que o livro vire objeto de status ou de “coleção”, e não de contato realmente transformador.
Expectativas externas (por exemplo, mostrar quantos livros se leu, seguir listas de best-sellers, acompanhar tendências) podem gerar ansiedade, frustração ou sentimento de inadequação nos leitores que não conseguem “acompanhar o ritmo”.
Se editoras forem muito influenciadas pelas tendências virais, pode haver uma tendência de publicar obras que “pegam bem” nas redes sociais, em detrimento de obras mais densas, de nicho, de experimentação literária ou de autores menos conhecidos. Isso pode resultar em homogeneização do catálogo editorial.
Com a ênfase em recomendações rápidas, trailers de livros, resumos visuais etc., pode ser que menos espaço seja dado à análise crítica, à reflexão de estilo, contexto histórico, político ou literário da obra.
O estímulo a comprar muitos livros pode acentuar disparidades socioeconômicas: quem não dispõe de recursos financeiros ou de acesso a livrarias ou formatos digitais fica de fora dessas tendências. Os dados mostram que a maioria da população não comprou nenhum livro no último ano.
A preocupação com “overconsumption” de livros traz à tona um dilema bastante contemporâneo: por um lado, o incentivo à leitura via influenciadores pode ser uma força muito positiva de democratização cultural; por outro, existe o risco de que o consumo seja superficial, motivado mais por modismos ou pressões externas do que por prazer, reflexão ou aprofundamento.
O balanço entre o benefício e o prejuízo dependerá em grande parte de como leitores, influenciadores e mercado se comportam:
Em última instância, “overconsumption” de livros não precisa ser algo intrinsecamente negativo; o problema surge quando a quantidade se sobrepõe ao sentido, à apropriação da leitura, à diversidade cultural. Lembrar que ler é também processo, não só produto.
Texto escrito por: Fátima Aparecida da Silva
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